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Queimadas na Amazônia: o que o Direito tem a dizer sobre isso

Publicado em 05/09/2019

Nestas últimas semanas, bem sabemos, esteve em evidência o seríssimo problema das queimadas na Floresta Amazônica. Celebridades do mundo todo, políticos, entidades governamentais e, provavelmente, você leitor, atentaram-se ao fato de que a Amazônia está em chamas. E não é de hoje.

Antes de prosseguimos, contudo, vamos deixar uma coisa muito clara: este artigo não tem qualquer viés político. O meu posicionamento político-partidário, bem como a minha opinião acerca do atual (e do antigo) governo, são irrelevantes para a finalidade deste texto. O que trato aqui são fatos, todos devidamente embasados em dados e estatísticas de fontes oficiais. Não vamos perder o foco de um problema coletivo discutindo questões individuais, certo?

Pois bem, o fato é que a área queimada na Amazônia, neste ano, foi 74% maior do que a média dos últimos 10 anos! Somente em 2019, de janeiro a julho, foram 18.629 km² de área incendiada, a segunda maior desde 2006, perdendo apenas para o ano de 2016, com seus 19.220 km². Não bastasse isso, o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) divulgou um estudo demostrando que os municípios em que mais se desmatou foram os que mais aconteceram queimadas, além de não encontrar relação entre focos de fogo com ausência de chuva, o que sugere ser este um evento não espontâneo[1].

Para piorar ainda mais este panorama, nota-se que as queimadas são, essencialmente, piores do que o desmatamento em si (extração ilegal de madeira). Isto decorre em razão de que uma área destruída/desmatada tem a possibilidade renascer como floresta, desde que não haja mais interferência humana. Em contrapartida, a área queimada intencionalmente, via de regra, tem finalidade de exploração agropecuária, mais notadamente tornando-se pasto ou cultivo de monoculturas (soja), o que acaba por tornar o desmatamento definitivo[2].

É impressionante a capacidade do ser humano em destruir o planeta em que habita. Mais impressionante ainda é a falta de percepção do chamado bem coletivo, matéria esta constantemente abordada por quem aqui escreve. Ora, ninguém acha correto entrar e depredar a casa de outra pessoa, não é mesmo? Então por que nós destruímos nosso planeta, a casa de todos?

No Brasil temos alguns mecanismos legais que, em tese, serviriam para coibir tal prática, a começar pela Constituição Federal, cujo art. 225 assim refere:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações

Importante destacar que provocar incêndio em floresta ou mata é tipificado como crime ambiental pelo art. 41, da lei nº. 9.605/98, com pena de dois a quatro ano de reclusão e multa. Afora isso, o Código Penal classifica como “Crime de perigo comum” o incêndio, se não vejamos:

Incêndio
Art. 250 – Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
        Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1º – As penas aumentam-se de um terço:
I – se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;
II – se o incêndio é:
(…)
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.

Mais recentemente, editou-se o “Novo Código Florestal”, através da Lei nº. 12.651/12, como forma de melhor combater o desmatamento. O interessante é que a referida lei traz três exceções para a proibição do uso de fogo, as quais transcrevo:

Art. 38. É proibido o uso de fogo na vegetação, exceto
nas seguintes situações:

I – em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente do Sisnama, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, que estabelecerá os critérios de monitoramento e controle;
II – emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo;
III – atividades de pesquisa científica vinculada a projeto de pesquisa devidamente aprovado pelos órgãos competentes e realizada por instituição de pesquisa reconhecida, mediante prévia aprovação do órgão ambiental competente do Sisnama.
§ 2º Excetuam-se da proibição constante no caput as práticas de prevenção e combate aos incêndios e as de agricultura de subsistência exercidas pelas populações tradicionais e indígenas.

Conforme podemos vislumbrar pela leitura do artigo acima, a aplicabilidade dessas exceções está diretamente vinculada a aprovação de órgãos competentes e/ou projeto de pesquisa que demonstrem sua necessidade, além de respeitar o conhecimento e a agricultura das populações tradicionais e indígenas.

Entrando superficialmente na esfera do direito internacional, o desenfreado crescimento da área devastada na Amazônia ameaça, por exemplo, o cumprimento do Acordo de Paris, aprovado pelo Congresso Nacional em novembro de 2016. Nota-se que se trata de um compromisso assumido por 195 países que compõem a UNFCCC (em português, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), os quais se comprometem em “reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE), no contexto de desenvolvimento sustentável.”[3] O Brasil, em particular, assim obrigou-se:   

a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. Para isso, o país se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030.”[4]

Entre nós, no atual panorama do nosso país, vocês realmente acreditam no cumprimento deste pacto?

Ainda que não haja uma penalização formal para o descumprimento do mencionado Acordo de Paris, o que está em jogo (além da vida de todos àqueles que aqui habitam – algo importante, não?) é a reputação internacional do Brasil, cujo nível de prestígio afeta diretamente as relações comerciais entre os países parceiros de exportação.

Afinal, se você e eu não acreditamos na capacidade do país em honrar um compromisso assumido institucionalmente, o que levaria outro país a acreditar na credibilidade do seu parceiro de negócio?

Por isso tudo é que as queimadas na Amazônia são extremamente preocupantes. Acima das questões econômicas, políticas e comerciais, devemos nos atentar ao bem em comum (meio ambiente) através do fortalecimento de uma consciência coletiva. O individualismo, quando se trata de manutenção do planeta, não tem espaço, e deve ser combatido com força, convicção e compromisso – ou corremos o risco de que seja tarde de mais.


[1] https://aosfatos.org/noticias/o-que-realmente-se-sabe-sobre-queimadas-no-brasil/

[2] http://queimadas.cptec.inpe.br/~rqueimadas/material3os/texto_AHC_Lopes.htm

[3] https://www.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/acordo-de-paris

[4] idem

Sobre o Autor: Otávio Kury
Advogado – OAB/RS 102.591
Graduado pela Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) e capacitado como Mediador e Conciliador pelo NUPEMEC/RS em 2016.
Atua na Kury Advogados com especialidade nas áreas Cível, Consumidor e Previdenciária.

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