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Incêndios na Austrália vs. Queimadas no Brasil: Uma (enorme) diferença

Publicado em 27/01/2020

A Austrália arde em chamas. Nos últimos três meses, Sydney tem acordado, diariamente, envolta a uma vasta, densa e tóxica fumaça. Pontos turísticos impressionantes, como o renomado Sydney Opera House e a impressionante Harbour Bridge, simplesmente desapareceram do cenário da cidade.

Esta situação é de relevante importância particular, uma vez que Sydney é a cidade que eu escolhi para residir. Ao andar pelas ruas, o semblante das pessoas é unânime. Um misto de preocupação, tristeza e incredulidade. Ao ligar a televisão, não se passam mais de cinco minutos sem que o assunto “bushfires” (como são chamados os incêndios florestais na Austrália – tradução livre) venha à tona. Até então, mais de $500 milhões de dólares já foram doados, naquela que pode ser a maior arrecadação privada da história do país.[1]

Os dados são alarmantes. Estima-se que mais de 800 milhões de animais foram mortos nos incêndios somente no estado de Nova Gales do Sul (NSW), com o impacto nacional de mais de 1 bilhão[2]. Até então, 30 pessoas perderam a vida no combate às chamas, cuja área devastada chega aos 10 milhões de hectares (quase o tamanho da Inglaterra inteira)[3]. Segundo recente pronunciamento oficial da ministra do meio ambiente, Sussan Ley, cerca de um terço da população de coalas morreu[4].

Diante deste contexto, a comparação com as queimadas na Amazônia é iminente, apesar de errônea. Necessário, portanto, melhor explicar essa diferença.

Em primeiro lugar, a flora australiana é completamente diferente da brasileira. Aqui, na Austrália, há uma massiva predominância da espécie de árvore eucalipto, cuja composição e características são extremamente inflamáveis. Este ecossistema, segundo explicam pesquisadores, evolui com o fogo, ou seja, os incêndios fazem parte da composição natural da vegetação. Por esta razão, é comum haver, de tempos em tempo, queimadas. O que ocorre, contudo, é que os efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas têm contribuído para o descontrole desses incêndios, visto que as temperaturas e o período de seca estão anormais neste ano.[5]

A Floresta Amazônica, em contrapartida, se não houver interferência humana, nunca queima, justamente por ser uma floresta úmida. Neste ecossistema, o fogo não ocorre naturalmente, apenas em caso de ser iniciado por atividade humana. Uma vez queimada, a vegetação nativa da Floresta Amazônica tem uma mortalidade de cerca de metade das árvores, as quais acabam sendo substituídas por novas espécies, adaptadas a este tipo de condição.[6].

Logo, fica clara a enorme diferença entre os incêndios na Austrália e as queimadas no Brasil. O primeiro é natural e faz parte do ecossistema; o segundo é causado pelo homem, com a finalidade de exploração. Este, inclusive, já foi tema de um artigo nosso, cujo link você pode acessar aqui[7].

Ademais, importante mencionar a relação dos aborígines (povo nativo australiano) com o ecossistema e a utilização da técnica de queimadas. Por terem vivido nestas terras por milênios (literalmente), os aborígenes detêm um vasto conhecimento da fauna e flora local, através de séculos de observação, manutenção e cultivo da vegetação. Dessa forma, aprenderam a utilizar o fogo como ferramenta de controle e prevenção, queimando regiões estratégicas, as quais, diga-se, necessitam do fogo para proliferar, e impedindo essa onda de queimadas desenfreada que hoje estamos vendo[8].

Como toda história de colonização e exploração, a chegada dos europeus (ou invasão, como preferir), além de promover atrocidades contra o povo nativo, também resultou na condenação desta técnica de queimadas, o que não é nenhuma surpresa, visto que, historicamente, o colonizador sempre julgou deter mais conhecimento sobre o continente usurpado do que o povo que ali mora por milênios.

Atualmente, na sua essência, não é muito diferente. Ao invés de delegar essa responsabilidade àqueles que passaram a sua existência inteira fazendo a prevenção e manutenção do ecossistema, continua-se empregando pessoas não aborígines para essa função. Neste ponto, deixo um link de um vídeo[9] muito interessante e esclarecedor, referente a aplicação desta técnica e as suas implicações.

Assim, podemos concluir que os incêndios na Austrália e as queimadas no Brasil tem, em comum, o fogo e as suas consequências. No resto, tratam-se de dois eventos completamente distintos.


[1]https://www.smh.com.au/national/bushfire-donations-near-500-million-as-watchdogs-put-charities-on-notice-20200117-p53sg5.html

[2] https://sydney.edu.au/news-opinion/news/2020/01/08/australian-bushfires-more-than-one-billion-animals-impacted.html

[3] https://www.bbc.com/news/world-australia-50951043

[4] https://edition.cnn.com/2019/12/27/australia/koala-bushfire-australia-intl-scli/index.html

[5] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51011491

[6] idem

[7] https://kuryadvogados.com.br/queimadas-na-amazonia-o-que-o-direito-tem-a-dizer-sobre-isso/

[8] bbc.com/news/magazine-26174177

[9] https://www.youtube.com/watch?v=lRo4SpWICh4, infelizmente disponível somente em inglês.

Sobre o Autor: Otávio Kury
Advogado – OAB/RS 102.591
Graduado pela Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) e capacitado como Mediador e Conciliador pelo NUPEMEC/RS em 2016.
Atua na Kury Advogados com especialidade nas áreas Cível, Consumidor e Previdenciária.

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